D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Já fiz uma pesquisa exaustiva em diferentes gramáticas e em muitas entradas do Ciberdúvidas, mas continuo sem chegar a uma resposta conclusiva. Percebo que a utilização da vírgula é um tema movediço, mas a minha dúvida tem que ver com uma utilização específica, ou, pelo menos, circunscrita.

Nas orações condicionais e estando a subordinada depois da subordinante, a vírgula antes da conjunção se é obrigatória?

Se em frases como:

«Se amanhã ele não vier, vou procurá-lo.»

«Se ele não tivesse chegado a tempo, ela ter-se-ia zangado.»

A inserção da vírgula é obrigatória e não me causa dúvidas, já em frases como as seguintes o mesmo não é tão óbvio.

«Seria agradável aceitar a teoria da mãe, se não tivesse uma falha crucial.»

«A estratégia dela ficou clara — desconfiava que ele adiaria qualquer confronto agendado, se lhe dessem hipótese.

Consultando Rodrigo de Sá Nogueira, vemos que ele defende a inclusão da vírgula. Mas, por exemplo, o consultor do Ciberdúvidas Carlos Rocha na entrada «Sobre valores da conjunção se» já sente necessidade de justificar a sua inclusão por não ser obrigatória.

Posso contar com a sua prestimosa ajuda para resolver esta dúvida com todas as explicações que achar necessárias e pertinentes?

Resposta:

Esqueçamos as regras do tratado sobre a pontuação de Rodrigo Sá Nogueira, que na prática aconselhava sempre a vírgula a separar orações; esqueçamos mesmo o apreciável rigor na virgulação que usa a empresa que me faz a correção de texto e invoquemos, antes, o meu saudoso mestre na língua Neves Henriques: «A vírgula não separa só, a vírgula pode mudar o sentido». Lembrava o exemplo canónico: “Cristo morreu, não está aqui”, oposto a: “Cristo morreu, não, está aqui”. É preciso sentir a língua, dizia ele, deixar correr o rio entre as margens ...também critério que tem sido desta nossa Ciberdúvidas «no contributo que tem prestado aos falantes de língua portuguesa», nas suas palavras, com mais razão aqui aplicadas.

Assim, nesta orientação NH, vejamos como interpreto a sua questão.

1.   Não há dúvida de que, quando as condições para que se realize uma ideia de base antecedem a sua expressão, é necessária a vírgula, para marcar uma pausa significando que deve ser memorizado o que foi dito, aguardando-se a completude.  “Se ele não vier," (fixemos e aguardemos que se explique o que é que acontece) "vou procurá-lo."

2.  O que é normal é que a uma ideia de base se sigam os esclarecimentos e condicionantes para que ela se realize. No caso de nada ser preciso acrescentar, a ideia não é incoerente se isolada. "Vou procurá-lo". Nesta afirmação, assim isolada, não haveria condições. Contudo, há e são taxativas:  só "se amanhã ele não vier”. Na forma como sinto a língua, e a menos que quisesse fazer uma pausa de sublinhado, eu escreveria a restrição sem separação da ideia base, porque lhe está intimamente ligada.: "Vou procurá-lo se amanhã ele não vier." É a...

Pergunta:

O ponto utilizado na abreviatura de uma palavra é dispensado quando a palavra abreviada termina uma frase, servindo o ponto final da frase para abreviar essa mesma palavra. Em resposta a pergunta anterior, ficou claro que o mesmo não se passa se a frase terminar com um outro sinal de pontuação diferente. No entanto, é comum ver-se o uso da abreviatura de "observações" normalmente seguida de dois pontos, sem o ponto da abreviatura da palavra [Obs:]. Isto é aceitável?

Resposta:

Em primeiro lugar, vamos esclarecer que o ponto faz parte da abreviatura duma palavra, significando que no signo usado para o conceito faltam elementos. O que se convencionou foi que ponto a seguir a ponto, no fim de um período, é uma redundância, e suprime-se um deles. Contudo, nesse caso, não é o ponto da abreviatura que é dispensado, pois o seu sentido é indispensável na abreviatura; o que se passa é que esse ponto da abreviatura fica com a dupla missão de representar também o ponto final.

Assim, não é legítimo dispensar o ponto habitual duma abreviatura quando seguido de outro sinal de pontuação. A abreviatura de observação convencionada é obs., logo, deve escrever-se Obs.: não Obs:.

O critério é o mesmo quanto à abreviatura de ordinais. Deve escrever-se 1.º, 2.º, etc. e não , , pois haveria ambiguidade na representação (ordinal, grau, ou potência zero?). Os pontos, neste caso, têm o significado de converterem os algarismos, com os respetivos sobrescritos, num signo que substitui as palavras primeiro, segundo, etc., e repare-se que os efeitos que se convencionam para o ponto não dependem da sua posição: nos ordinais não podia ficar depois do sobrescrito.

Ao seu dispor,

Pergunta:

«O João foi ao cinema, e o Manuel, ao teatro.» Nesta frase, cada uma das vírgulas é considerada obrigatória, recomendável ou opcional?

Obrigado.

Resposta:

A primeira vírgula obedece à regra de a copulativa e ser antecedida de vírgula quando o sujeito é diferente.

A segunda, à regra, aplicável neste caso, de que na omissão de um elemento fundamental numa expressão, uma vírgula deva ser inserida. A utilidade da vírgula não será, então, uma pausa, uma separação, um sublinhado, nas suas múltiplas funções, mas aqui uma chamada de atenção para o facto de que a expressão está incompleta e de que só é esclarecida no contexto.

Devemos seguir as regras, para que o entendimento seja geral. As gramáticas e os prontuários apresentam múltiplos exemplos nos quais a presença ou a ausência de uma vírgula implicam sentidos diferentes à expressão. É preciso ter cuidado na pontuação.

Contudo...

Serão sempre indispensáveis as vírgulas?

Parecer pessoal

Se suprimirmos a primeira vírgula, não é por isso que os sujeitos se deixam de distinguir, pois o verbo está no singular: «O João foi.»

Se suprimirmos a segunda, com as duas expressões seguidas, o intelecto deduz que o verbo omisso é o mesmo: «o Manuel (igualmente) foi», num raciocínio de nível superior, com risco, do tipo: se a ação fosse diferente, seria indicada (estamos já nesta fase nos robôs?).

Rodrigues Lapa, na sua Estilística da Língua Portuguesa, defendia que a estilística era também a arte de subverter as regras para dar mais intensidade à escrita.

Na minha opinião, e considerando as pausas que ficariam implícitas, a exp...

Ainda o trema e as consoantes ditas mudas

A reafirmação do autor sobre a importância do trema para a distinção da pronúncia do u – que se enquadra no seu conceito «de que devem ser facultativas e não proibidas as utilizações gráficas na língua que facilitem a aproximação com a pronúncia do falante» –, em referência ao artigo do jornalista Nuno Pacheco, Ascensão e queda dos pontinhos voadores.

 

Pergunta:

Uma dúvida, por gentileza: por que razão Luiza não leva acento e juíza leva o acento? É uma questão etimológica?

Obrigado.

Resposta:

    Deve haver confusão do consulente em resultado de ter visto uma grafia errada de Luísa, com s. Está taxativamente grafada com acento na Base X, 1.º do Acordo Ortográfico de 1990, que o Brasil segue, como Portugal. Mesmo que aí  se escreva com z, a regra é a mesma, pois no Brasil respeita-se a norma no vocábulo influído registado nesta data no VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) em linha da Academia Brasileira de Letras. 

    Juíza segue a mesma regra: quando, no conjunto destes dois grafemas (u+i), i deixa de ser uma semivogal e é tónica, o acento é obrigatório. Se não se acentuasse, o conjunto funcionava como um ditongo, como em fluido.

    A norma indica que o grafema i pode também funcionar como vogal, sem precisar de acento, quando forma sílaba com a consoante seguinte (l, m, n, r, e z) ou antes de nh.

    É este o motivo por que, por exemplo, Luís tem acento e juiz não. 

Ao seu dispor,