Carlos Drummond de Andrade - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
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Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 1902 – Rio de Janeiro, 1987) foi um escritor, contista e poeta brasileiro do século XX, com tendências modernistas. Formado em Farmácia, foi funcionário público grande parte da sua vida, dedicando-se sempre à escrita. Numa atitude antilírica, os seus temas de eleição eram o indivíduo; a terra natal; a família, o choque social, o amor, etc.. Das suas obras, destacam-se: Alguma Poesia (1930); Poesia até Agora e Fazendeiro do Ar (1955) e Tempo, Vida, Poesia (1981).

 
Textos publicados pelo autor

ANTIGAMENTE, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução mor...

Um poema que gira à roda da ortografia, da importância das maiúsculas iniciais de determinadas palavras, realçando a relação entre grafia e semântica e evidenciando o seu valor expressivo. A escrita poética do brasileiro Drummond de Andrade alerta para a força da marca gráfica como fator de distinção («Distinção») para o sujeito poético e para o leitor.

 

O Pai se escreve sempre com P grande

em letras de respeito e de tremor

se é Pai da gente. E Mãe, com M grande.

O Pai é imenso. A Mãe, pouco menor.

Girando à roda dos modismos da linguagem e relacionando-o com o universo de uma determinada época, a crónica «Antigamente I», extraída da obra Quadrante, do poeta e cronista brasileiro Carlos Drummond de Andrade, reflecte sobre o tempo de uma vasta bateria de palavras e das expressões idiomáticas/frases feitas que foram relegadas ao esquecimento e que se foram perdendo.


A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

 


Lutar com palavras 1
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento 2
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem...